quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

SVQR: O Senado e a Vergonha de Roma

por Ricardo Lichtler

Com os sucessivos escândalos vindos do Senado Federal, a casa mostra sua incapacidade de lidar com eles de uma forma eficaz e que esboce algum tipo de apego à ética política e à honra. O corporativismo retórico acaba por gerar mais escândalos, paralisa os trabalhos que deveriam ser executados e expõe ao ridículo (ou ao deplorável) um dos componentes do legislativo federal.
Mais do que isso, põe em xeque a própria razão de ser do Senado. Vários meios de comunicação nacionais, mormente revistas, colocam em pauta a possibilidade de extinção do Senado.

Obviamente a reação dos senadores foi exaltada e contrária a qualquer menção nesse sentido. Não poderia ser diferente, pois a norma de comportamento de seres humanos indica que não gostam de alterar seu status quo se este lhes for proveitoso. Ora, é sabido que muito executivo de multinacional não ganha um salário tão polpudo quanto o dos senadores. E certamente quase nenhum deve ter um horário de trabalho tão flexível e exíguo. E a estabilidade por 8 anos...

Mas, afinal, qual a função do Senado? A menos de funções específicas constitucionais, o Senado faz exatamente o mesmo que a Câmara: legisla (faz leis) e fiscaliza o executivo. E em relação às funções específicas constitucionais, elas couberam ao Senado porque já existia o Senado quando a Constituição foi feita. Um senador não tem DNA especial ou formação acadêmica superior a um deputado para que tais funções devam caber somente aos senadores. Tanto é verdade, que a cada eleição, muitos deputados almejam virar senadores!

Claro que, em vista disso, a retórica retumbante e desesperada dos senadores joga frases de efeito aos ouvidos moucos da população, para que a impressionem e tentem impedir o acolhimento da idéia. O discurso agarra-se em "valores democráticos" e "cláusulas pétreas" da Constituição, como seriam o pacto federativo e o equilíbrio regional. Pois o Senado é justamente um fator de desiquilíbrio na representatividade regional! A região Sul, por exemplo, tem 13% da população do país e 11% dos senadores. A região Nordeste tem 25% da população, mas 33% de senadores. Mas não pára por aí: a região Norte, que tem somente 7% da população, tem milagrosos 26% do Senado Federal! Isso não é acalentar a desigualdade regional?

Pois bem. Em resposta a isso, argumentarão que os senadores representam os entes federados e, portanto, essa representatividade correspondente à população cabe à Câmara. Balela! Primeiro, porque as fórmulas empregadas para a distribuição de deputados também causam distorção, ainda que em menor grau. Segundo, porque o princípio de eleição de um senador é exatamente o mesmo que elege um deputado: votação direta do povo. Claro, no caso da eleição de um senador, contam somente os votos individuais recebidos e não há coeficiente eleitoral.

Mas é o mesmo povo que vota nos deputados que elege os senadores. Não há vinculação nenhuma, por exemplo, entre o senador eleito e o governador do estado de origem, ou entre o senador e a respectiva assembléia legislativa; no fim, é apenas mais um político eleito para estar em Brasília. A representação propalada do ente federado fica no plano da divisão dos gabinetes, mas perde-se completamente na origem.

A questão de existir ou não Senado é bem mais importante e menos intocável do que parece. Não é mais grave ou visceral, nem menos fundamental do que escolher entre presidencialismo e parlamentarismo, escolha que já fizemos. E há de se lembrar que há muitos países que funcionam muito bem com um simples congresso unicameral. No fim, o Brasil possui duas câmaras legislativas que conflitam e barganham diferente e inconsistentemente com o executivo, isso quando não os fazem entre si. É custo em dinheiro, é custo em tempo. E neste país, há falta dos dois!

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